Prancer (Um Natal Mágico)


Imagina que cê foi na casa de algum parente, porque cê vai ajudar a organizar a ceia de Natal. Digo, quem vai mesmo são seus pais, porque não tem muito o que fazer, anyway.
Então cê resolve se derramar no sofá, assistindo seja lá o que tiver passando na TV.

O problema é que só tem jornal regional com reportagens esdrúxulas sobre… sei lá, a ação de Natal distribuindo giz de cera pros animais de rua. E aqueles talk show pra senhoras que já passaram dos 70 anos que geralmente envolvem um “talento” local que canta em um inglês quebrado acompanhado de um teclado sintetizador Yamaha ou Casio.

Mas cê tem que matar esse tempo com algo mais intelectualmente estimulante, então cê surfa pelos canais, torcendo pra achar qualquer coisa que seja mais interessante do que conversar com um abacate.

E aí cê encontra, nas profundezas daqueles canais escondidos entre a TV Aparecida e a TV Cultura, um canal (provavelmente o TV Metrópole), exibindo um filme de Natal que cê nunca ouviu falar, mas que parece ser diferente dos outros, por não ter as cores berrantes típicas natalinas, nem magia real em sua realidade, embora ainda lide com Papai Noel. E mais, é um drama… ligeiramente engajante, com alguns atores reconhecíveis.

Isso meio que aconteceu comigo algumas vezes, uma delas eu acabei vendo Thomas Kinkade’s Christmas Cottage, e em outra, Bela Adormecida da Goodtimes.

Exceto que Bela Adormecida não é uma história de Natal, mas não vem ao caso.

Enfim, Prancer (ou Um Natal Mágico, um título tão sem sal e genérico que devia levar alguém a ser demitido ou posto a ferros) se encaixa nessa situação.



Eu não sei o que tem em mim de ter esse fascínio pelo meio-oeste americano. Ou pelo menos filmes que se passam lá. Talvez seja porque eu passei a vida toda pegando filmes que se passavam em algum interior na Sessão da Tarde ou equivalentes, como Prehysteria. Ou talvez porque seja tão variado que em alguns momentos parece algo familiar, mas ao mesmo tempo diferente.

O fato de ver Carros 15 vezes por dia quando moleque também deve ajudar.

Prancer se passa numa dessas cidadezinhas no meio do nada, que tem invernos terríveis e cujos moradores precisam ter uma caminhonete pra poder ter o mínimo de acesso a serviços básicos como banco, escola, lojas, e a assinatura mensal de Aventuras Disney.

E é nesse lugar isolado do resto da civilização que uma garotinha ainda acredita no Natal. Ela é provavelmente a única em sua cidade que ainda espera Papai Noel chegar em sua casa carregando presentes, mesmo que seu pai, Sam Elliott, esteja quase tendo que vender a fazenda de maçãs.

Ela passa metade do filme tentando convencer outras pessoas a entrar no espírito natalino, ou só esbanjando seu amor pela festividade ao berrar os hinos da época com  a força vocal que a Canário Negro e a afinação musical da Chimoltrúfia.

Mas um milagre acontece, e ela encontra uma rena machucada que quase foi atropelada pela caminhonete de seu pai, e quando Sam Elliott se arma de seu bigodão e uma espingarda pra matar o bicho, ele simplesmente some.

A menina reencontra a rena e decide cuidar dela, até forçando Abe Vigoda, que desistiu da vida de mafioso e resolveu virar o veterinário local, a fazer um curativo na rena, porque ela acredita piamente que é Prancer, uma das renas do Papai Noel.

Como ela chegou a essa conclusão? Oras, é óbvio! No começo do filme, uns homens tão botando enfeites de Natal na cidade, um deles sendo o trenó do velho sendo puxado pelas renas, mas uma delas cai, e pelas contas da menina, é justamente Prancer.

Não sei se eu mencionei, mas o nome da menina é Jessica. Sei lá, pareceu menos importante comparado ao resto dos fatos.



Quando eu descrevo o filme desse jeito, parece um daqueles filmes de comédia engraçados, onde o narrador da chamada da Globo enche a boca pra dizer “ALTAS CONFUSÕES”, e até o trailer dá a entender que o filme é mais ou menos isso mesmo.

Raio, eles passam mais da metade do trailer focando na rena invadindo a casa, comendo a comida deles, e no Sam Elliott lendo o jornal com a rena passando por trás dele imperceptível aos olhos e bigode do patriarca da família!

Parecem shenanigans comuns de filmes estrelados por crianças, mas não é o caso de Prancer.

Se esperasse mais alguns minutos, eu poderia ver ARNOLDO ESUASNEGGER berrando PUT THAT COOKIE DOWN! NOW! num orelhão.
Vocês são jovens demais pra saber o que é um orelhão.

Enfim, o trailer meio que promete algo como Beethoven ou ET, e entrega algo totalmente diferente.


Prancer é muito mais sobre Jessica, sua família, e a cidade do que sobre a veracidade da rena. De fato, tem um pouco de Milagre na Rua 34, porque o foco do filme é sobre fé. De fato, tem uma hora que a melhor amiga da Jessica diz que não acredita em Deus também, e Jessica briga com ela porcausa disso.

Jessica é uma garota que tem uma obsessão pelo Natal, Sam Elliott diz em certo momento que ela ouve os discos natalinos o ano inteiro, e há um motivo pra isso, e pro desvairamento de Jessica com a menina loirinha de Angus e Jurassic Park.

O filme nunca dá respostas concretas como filmes modernos, que tem que competir a atenção com o TicoTeco e Estragão, mas ele dá pistas o suficiente pra que entendamos que a falecida mãe de Jessica adorava o Natal, e por isso a menina se prende tanto à festividade.

Pois é, é um daqueles filmes. É bem óbvio, mas ao mesmo tempo, você consegue sentir empatia pela menina, já que aparentemente ninguém ao redor dela demonstra isso.

É um drama que dá pra ser acompanhado por crianças… que estejam engajadas o suficiente por qualquer motivo. Digo, não é como A Pequena Espiã (que, curiosamente, tem o mesmo roteirista), que tem situações cartunescas e design de produção atraente, com ângulos de câmera malucos e figurino com cores berrantes.



É um filme bastante grounded, bem realista, e mesmo com uma fotografia belíssima, ela simplesmente exalta o que há de belo no natural, sem necessidade de extrapolar. É o tipo de decisão que ajuda na história do filme, que, de novo, é composto de basicamente conversas realistas e que aos poucos vão montando os personagens pra nós.

Talvez crianças não peguem a nuance de todos os personagens imediatamente, mas à medida que Jessie vai se aventurando pela cidade, buscando fundos pra comprar comida pra rena, ajudando a velha louca da mansão a reavivar o espírito natalino e entender um pouco sobre quem ela costumava ser (de novo, explicado por visuais e não somente por texto), você percebe que é um filme aconchegante.



ACONCHEGANTE! ESSA É A PALAVRA QUE SE TRADUZ PRA “COZY” QUE EU TENTEI LEMBRAR NO OUTRO ARTIGO! Ora, raios.


Enfim, esse é o tipo de filme que temos aqui. Um filme que anda lentamente, mas que cada momento é relevante de alguma forma pro tipo de história que ele tenta contar. É um filme mais pra ser visto e sentido, eu diria, já que a história é meio previsível.

E eu não estranharia se tivesse dedo do estúdio, que quis que o final fosse o menos ambíguo possível, mesmo a contragosto do diretor. Imagina se tivessem forçado esse tipo de decisão em O Lorax (o livro, não aquele troço da Illumination).


Prancer não é um filme natalino cheio de cores berrantes, luzes bonitas, ou mitologia folclórica, é sobre uma garotinha fazendo o que acha que é o certo num meio social onde ninguém tenta compreendê-la, ou compreender sua dor. É um daqueles filmes que são meio tapa-buraco, mas se você assistir aleatoriamente, sem muitas pretensões, e conseguir ver beleza em filmes lentos, vai ter um bom tempo.

Eu sei, é um artigo bem mais simples e sem tantas piadas quanto eu gostaria. Mas é difícil fazer hora com um filme tão inofensivo e sincero quanto esse. É mais uma sugestão genuína do que qualquer coisa, é bom variar filmes natalinos, ainda mais com algo que é genuinamente confortável de ver.

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